Paulo Mendes é um cara que largou tudo no Brasil para viver o sonho na Indonésia como fotógrafo e guia de surf nas ilhas Mentawai.
Hoje, quem o vê a postos atrás do tripé e da câmera, no vai e vem dos barcos atrás de ondas perfeitas, não faz ideia de que há pouco tempo atrás, ali estava ele, atrás de uma mesa de cirurgia, operando, por horas a fio, animais resgatados da rua.
Paulo nasceu e cresceu no Rio de Janeiro. Passou a infância na Zona Norte do Rio, no bairro do Andaraí: “Um local que me fez aprender muito,” conta. “Era a escola da vida. Fui criado na rua bem próximo da favela. Tínhamos a escolha de se envolver com pessoas erradas ou não. Era difícil, me fez crescer muito como pessoa.” Para viver a vida de surfista no Andaraí, pegava dois ônibus lotados, pranchas na mão. Com 18 anos, saiu da casa da mãe para morar com dois amigos em Vargem Grande, a cinco minutos das melhores ondas do Rio – mais várias cachoeiras na rua de sua casa. “Foi quando comecei me sentir mais fora do sistema. E quando passei a surfar diariamente e ter surf como estilo de vida,” relembra.
Na infância, além da vida de praia, Paulo passava meses a fio na fazenda da família. Foi nessa época que passou a conviver mais com animais. “Enquanto todos meus primos ficavam o dia na piscina, eu cuidava dos cavalos, tirava leite das vacas, ajudava os veterinários. Sinto que veio daí minha afinidade com animais, mesmo sem nunca ter trabalhado com cavalos profissionalmente. Decidi que seria cirurgião após ver minha primeira cirurgia em um cão, no sétimo período da faculdade. Isso me ajuda muito, pois consigo salvar muitas pessoas nas Mentawai! Virou até uma função paralela. Sempre que acontece qualquer acidente, como corte nos corais, sou diretamente procurado para realizar a sutura.”
Após formado, trabalhou durante 10 anos como coordenador técnico e cirurgião-chefe na Prefeitura do Rio de Janeiro, onde mantinha seu próprio projeto de resgate, recuperação e adoção de animais de rua. “A rotina era tensa e estressante,” conta. Paulo coordenava o corpo técnico de médicos-veterinários da Prefeitura carioca. Mais de 60 profissionais, locados em nove unidades, nos mais distantes e diferentes bairros do Rio. “Eu fiscalizava o serviço. Era cirurgião-chefe do maior hospital público para animais do Brasil. Fazia em média 10 a 15 cirurgias em cães e gatos todos os dias. “Era um projeto de saúde pública. Quando assumi a coordenação, reformulei todo o projeto. Porém, para fazer saúde pública de qualidade no Brasil, tem de viver uma guerra. E tudo que eu buscava era paz. Além de tudo, eu ainda encontrava tempo para ministrar aulas sobre doenças parasitárias e epidemiologia na Universidade Estácio de Sá, para o oitavo período, e também orientava a monografia dos formandos.”
Mas o cotidiano era difícil. Paulo vivia uma guerra diária. Passou a se questionar sobre a vida que levava diante de um sistema opressor, contraditoriamente, até, para quem mantinha uma profissão com ideais de ajuda. “Trabalhar para o governo é complicado. Fazer o certo, lá dentro, quase impossível. Eu vivia uma guerra para ajudar os animais. Tentei mudar o sistema, mas aos poucos me vi engolido por ele. Me via estressado, deprimido, sem forças. Até que decidi sair e investir em cursos e material de fotografia. Liguei para meu amigo, Kadu Maia [Capitão dos barcos Star Koat e Moon Palikir], dono de barco na Mentawai. Ele me deu uma oportunidade. Fui para lá, fiquei por dois meses para ver se me acostumava, e minha vida mudou. O Kadu é um amigo, irmão, me deu essa oportunidade e me ensinou tudo sobre o que é viver e trabalhar nas ilhas Mentawai! Sou muito grato a ele.”
Hoje Paulinho soma quatro temporadas nas Mentawai, como fotógrafo, videomaker e guia de surf na empresa Mentawaisurfcharters. Em um ano, passa de oito a nove meses embarcado: “Em 2017 fiz 13 trips em barcos e resorts. Metade delas trabalhando como skipper, guia de surf e fotógrafo. A outra metade, como fotógrafo. Quando acumulo as funções é cansativo, mas gratificante.
Meu dia começa 4h30 da manhã para checar vento e decidir para qual onda vamos navegar, visando sempre ancorar o barco de frente para a onda com as condições mais adequadas (vento, direção de ondulação, maré etc),” conta.
Algumas vezes rola até uma sessão de surf na primeira luz do dia. Paulo sai para a sessão de fotos, depois vai surfar, almoça, e no começo da tarde volta para a segunda sessão de fotos do dia. “Se sobra disposição, ainda faço uma caída no final de tarde. À noite, após o jantar, costumo fazer uma apresentação para os clientes com as fotos e vídeos do dia. Meus dias são assim, divididos entre o surf e a seriedade de fazer o melhor trabalho possível, para que todos os clientes saiam felizes. Acredito que tem dado certo.”
Mas e aí? Se esse parece ser o sonho que virou realidade, perguntamos para Paulo: Qual seu sonho? A resposta não tarda: “Acredito que ele está sendo vivido a cada manhã que acordo e vejo o sol nascendo no oceano.”