Engravatados, aos montes, aos berros, os executivos da bolsa de valores unem-se em coro. A sala está cheia, as orelhas esquentam pregadas ao telefone. Os dias às vezes viram noite. Busca-se o menor preço, informações privilegiadas, claro, não sem muita ambição para acumular títulos e papeis que vão se desdobrar em dinheiro exponencialmente acumulado a depender das condições de compra e venda. Essa cena soa familiar? Alguém aí se lembra do Jordan Belfort? Isto mesmo, aquele personagem interpretado por Leonardo Di Caprio no filme de Martin Scorcese, “O Lobo de Wall Street”?
Ouvir a história do Glauco, e não lembrar, nem um pouco, das cenas do pregão que pinta o cineasta Martin Scorcese é difícil.
— “Eu trabalhava consertando pranchas na Todas as Ondas, uma surf shop em Pinheiros, até que um amigo chegou e me disse: Você vai ficar consertando prancha o dia todo, para sempre? Ele me chamou para trabalhar no pregão e eu fui,” explica Glauco, enquanto começa a me contar sua história.
“E como era a vida em São Paulo?”, pergunto.
— “Dinheiro, dinheiro, dinheiro. Ficava no pregão, eu gostava. O dia a dia era engraçado, muita gente junta, muita risada. O trabalho em si era legal. Mas era tenso, né, ficava no telefone o dia inteiro. Aquela gritaria. Mas todo mundo se entendia. Leitura labial. Você fica bom. Além do mais, eu era jovem, vinte e poucos anos, a gente saía de noite, para os bares, estava sempre com dinheiro. Só que chega uma hora que cansa.”
“Eu não aguentava mais!,” conta. Até que sua irmã lhe lançou a pergunta: Por quê você não vai para o Japão? “Me joguei para lá com minha namorada, que tem passaporte japonês. Caímos de paraquedas, o ano era 2002. Era final de Copa do Mundo, o Brasil tinha acabado de ganhar.”
No Japão, Glauco pegava onda e fazia snowboard. Morava perto da montanha e da praia. Corria campeonatos e dava aulas de surf. De segunda à sexta, trabalhava em linha de produção, colocando adesivos em tela de celular. “Saía do trabalho e ia surfar. Eu trabalhava de segunda à sexta; aos finais de semana fazia vários rolês. Viajamos pelo Japão inteiro, a gente pegava o carro e desbravava. Fui conhecer a Indonésia e muitos outros países, foi irado. A não ser pela saudade da família, eu não sentia falta do Brasil. Lá eu tinha tudo: onda, neve; era bom demais.”
Só que como tudo que é bom também termina, Glauco e a esposa encerraram um ciclo no Japão e em 2007 voltaram ao Brasil. Ele, que aprendeu a surfar aos cinco anos de idade, com uma prancha de isopor em Bertioga, voltou para lá, e junto da esposa, adquiriu um quiosque na praia. “Nessa época, comecei a fotografar e a tirar fotos da galera. Na hora, ali na praia mesmo, depois da sessão de surf, eu descarregava as imagens e transferia para um CD – ninguém fazia isso na época. Vendi muita foto assim.”
Até que apareceu um cara vendendo uma escolinha de surf no canto esquerdo da praia da Riviera de São Lourenço, SP. “Comprei e abraçamos a ideia. Faz oito anos que nasceu a Cantão SUP & Surf Riviera. Vamos para a nona temporada esse ano.” Isso foi em 2010, época que, segundo Glauco, não tinha “nada” por lá: “Pouca gente, tudo em crescimento. Hoje em dia, é tanta gente que você mal consegue se mexer. Tem movimento o ano todo.”
Além das aulas, que acontecem diariamente, Glauco organizou projetos sociais pela região, junto ao Sesc e à Prefeitura. “O projeto que fiz com a Prefeitura de Bertioga, por exemplo, foi iniciativa minha: abria inscrição para a galera e quem quisesse ter aula fazia, eu não ganhava nada.” Glauco também se envolveu em um projeto exclusivo com mulheres, em parceria com o grupo Longarina, da capital paulista, que reuniu mulheres de todos os tipos, idades e habilidades, várias delas, nunca subiram em uma prancha. Não até chegar na escolinha.
A Cantão SUP & Surf Riviera é composta por Glauco, mais sete professores e uma professora. No Verão, chega a reunir dez professores. “Dou aula o ano todo. Tem caiaque, stand up, aulas de surf, passeio no rio. Quando chega um aluno, a gente brinca: Tem de ficar de pé! Se não ficar de pé, não precisa pagar! E o pessoal sempre consegue, a molecada que trabalha aqui é muito boa, a vibe é boa.”
Glauco está com 45 anos. Basta um pouco de conversa para perceber que seu espírito permanece intactamente jovial. Agora com a chegada do inverno, o plano é incluir aulas de skate: faz pouco tempo que ficou pronto o mini-ramp em um espaço chamado La Casita, que também faz parte da escolinha, e serve lanches e sucos, e anima os visitantes com som ao vivo. “Tem que ser múltiplo, né?,” ele me pergunta, com um tom de quem parece já ter a resposta.
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