FELIPE ARIAS

“Eu não sabia aonde isso daria. Queria estar perto destas pessoas. Ser amigo delas. E assim resgatar os valores que eu tinha perdido. Estar mais perto de mim,” me conta Felipe Árias, enquanto conversamos sobre como surgiu a Lar Mar. “Não é que eu tive a ideia de fazer um negócio e fui atrás dessa ideia,” ele emenda. “Lar Mar veio pela dor, angústia, sofrimento, tristeza, decepção profissional. Comecei escrever histórias para me libertar do que era ruim e me encontrar novamente. De alguma forma, as pessoas se conectaram ao ideal, e a história brotou de dentro pra fora. Veio pela dor mesmo.”

“Nossa, e por onde a gente começa?,” eu pergunto.  

“Pela comparação do que eu era e do que sou hoje?” ele pergunta. 

Felipe teve o primeiro insight de Lar Mar. Mas o que significa exatamente Lar Mar?  

Play no gravador. 

“Eu vim de Santos, uma cidade com praia. Vim de uma criação e de uma geração focada na necessidade de ter sucesso profissional. No meu caso, me formei advogado. Dos 18 aos 33 anos meu foco foi na carreira. Saí da praia para estudar em São Paulo, tive oportunidade de iniciar meu trabalho na área do direito imobiliário, que em 2006 estava em muita ascensão. Me formei nesse mesmo ano. Três anos após formado, comecei coordenar o departamento jurídico da maior imobiliária da América Latina. Tinha ansiedade em conquistar espaço na minha área e uma pegada bastante workaholic.”

Depois da primeira experiência, Felipe migrou para uma incorporadora e montou escritório próprio em paralelo. Depois, a convite do dono da incorporadora, abriu outro negócio: uma imobiliária para atender as necessidades da incorporadora e de outras empresas menores.

“Me vi em um mundo cheio de negócios. Me especializei na área imobiliária. Quando migrei para a área comercial e de marketing, peguei manha de vender o sonho, sabe? Vendia um empreendimento e não falava em metro quadrado nem sobre qual seria a cor da parede. Mencionava o sonho do casal, da família, era mais fácil vender. Só que eu percebia a mentira que contava, eu não acreditava naquilo que vendia. Fui quando comecei ter cada vez mais problemas emocionais. Me sentia um advogado do diabo, que a minha vida era muito pequena. De repente, me vi convivendo com pessoas que não tinham nada ver comigo, comecei sentir muita angústia e depressão, que não sabia exatamente de onde vinham.”

Na tentativa de entender o que sentia, Felipe ingressou na terapia. Foi quando passou enxergar lugares e gostos que havia abandonado dentro de si, como a convivência com os amigos na praia, o tempo no mar, o surf, a fotografia. 

“Retomei gosto pelos meus próprios gostos. Comecei perceber que era insuportável estar aonde eu estava e me perguntava: Como saio dessa? Como faço para fazer o que amo, já que não amo o que faço?”

Os questionamentos, cada vez mais frequentes, deram origem a novo hábito: toda vez em que chegava do trabalho, ele escrevia. Colocava no papel aonde gostaria de estar, com quem; escrevia sonhos, fazia ensaios mentais. Queria voltar para a praia. 

Interrompo para perguntar como foi sua adolescência. “Foi interrompida com a morte da minha irmã. Foi uma época em que fiquei muito recluso, em casa, dando assistência para meus pais. De certa forma, fui retomar minha adolescência agora. Deve ser por isso que tenho essa pegada, de ser meio moleque, curtir festa. Estou com 35 anos, não cansei desse ritmo, mas, de certa maneira, comecei viver isso tarde, essa coisa de estar socialmente aberto à muitas pessoas.” 

NASCE UM PROJETO SEM NOME 

“A Lar Mar começou como uma terapia pra mim,” ele conta. A ideia inicial, segundo ele, era pescar e escrever histórias de pessoas que havia mudado radicalmente o rumo de suas vidas. Cada história era publicada em um blog. “A ideia era eu me encorajar a fazer o mesmo,” explica Felipe. As histórias remetiam a temas como fotografia, música e surf. “Temas que me traziam paz de espírito,” complementa. 

Com intuito de reverberar o projeto, Felipe criou uma conta no Instagram: usou “aindasemnome” e criou site com mesmo nome. A ideia do nome Lar Mar apareceu só mais para frente. Enquanto isso, fluíam as primeiras histórias.

“A primeira história que contei foi da Maloca Viva. Projeto do Bruno e do Marcelo, de São Paulo, SP. Eles largaram tudo para montar um retiro de yoga e meditação na Floresta Amazônica. Depois contei a história da Maria e do Leleco, que largaram tudo para morar em Bali. Aí fui contar história de fotógrafos aquáticos; da menina que foi morar em um trailer e viver de pintura. Em comum, todas pessoas foram viver o que acreditavam ser uma vida mais simples do que a que viviam. No começo recebi muitas críticas; as pessoas falavam: ‘Ah! Esse é o novo hippie chic, paga de vida simples, mas tem uma família bancando’. Não foi o caso de nenhum deles. E eu tampouco tive suporte da minha família.”

BUSCA POR LAR MAR

O nome Lar Mar surgiu no meio do caminho. Lar, conta Felipe, remete a um lugar que ele queria resgatar. A ideia do quadrado fechado é sobre ficar focado, junto destes dois elementos: lar e mar. Mar tem a ver com desejo de voltar para a água, sair da capital paulista.

Nessa época, Felipe mandou fazer algumas camisetas. “Dentro do quadrado, o nome estava invertido: Mar em cima, Lar embaixo. Um amigo me disse: ‘Cara, porque você não inverte, e usa Lar em cima, Mar em baixo? No alfabeto, L vem antes de M.’ Achei que ele tinha razão e segui com esse nome.”

“Depois, por coincidência, fui olhar, percebi que dentro do quadrado podiam surgir diferentes palavras com letras que estavam ali: amar, alma, lama… Pirei nisso e mandei fazer algumas camisetas do projeto. Comecei vestir pessoas que eu contava a história. Publicava as histórias e divulgava o trabalho dessas pessoas. Tudo isso em paralelo com meu trabalho; era uma correria absurda.” 

“Rolava chutar o balde?,” pergunto. 

“Não!,” ele responde. “Acabei adquirindo um estilo de vida muito caro. Pensei: Vou me livrar disso. Não preciso de nada disso. Por quê o carro? O apartamento? Jantares caros sem significados? Eu acabava me dando recompensas para escapar de uma vida com a qual não me identificava. Tudo ilusório. Largar isso foi um processo de dois anos.”

UMA IDEIA E TODO POTENCIAL

“As pessoas chegavam pelo Instagram, me pediam boné e camiseta e eu não sabia o que fazer, não queria vender roupas. Eu não sabia precificar, nem fazer camiseta com qualidade. As pessoas pediam camisetas, eu dava. Até que comprei 100 camisetas básicas, estampei Lar Mar, dei para algumas pessoas que eu contei a história e elas divulgavam o projeto. Como tinha muita gente querendo comprar, criei uma aba no site, que além das histórias, tinha virado meio de vender as camisetas. No primeiro mês com a loja no ar vendi 250 camisetas.”


A partir daí, Felipe começou administrar cada vez mais a correria: “Lá estava eu, na hora do almoço, de terno e gravata, despachando camisetas pelo correio. As coisas do escritório foram ficando cada vez mais de lado.”

Até que um dia caiu a ficha: Felipe havia acabado de contar a história da fotógrafa Ju Martins, que depois acabou virando amiga. “A Ju me convidou para uma exposição em um hotel em Ipanema. Nesse mesmo dia, eu tinha uma reunião a partir das 18h em Pinheiros, São Paulo.” 

Felipe deu jeito de chegar ao RJ: foi até o aeroporto de Congonhas, comprou uma passagem diretamente no guichê. Também comprou um par de chinelos, bermuda e camiseta; vestiu-se no avião; chegou ao Rio e foi direto para a exposição. 


“Chegando lá conheci pessoas que sempre quis ter contato. Paulinho Vilhena; o fotógrafo Yappa, de Noronha; a surfista Marina Werneck, que virou amiga. Eles conheciam a Lar Mar, tiravam foto comigo. Era gente pedindo foto, boné. Todo mundo de quem eu era muito fã. Estar ali naquele momento fez muito sentido pra mim,” conta ele, lembrando que no mesmo dia pegou avião de volta para São Paulo para chegar a tempo para a reunião do trabalho. “Quando sentei na mesa, já de volta, não conseguia me concentrar em mais nada,” lembra.

O PRIMEIRO EVENTO PARA 800 PESSOAS 

Felipe contou sobre o projeto para o amigo Edu, DJ, que tocava em um espaço chamado Balneário, localizado na Barra do Una, litoral norte paulista. A vontade, segundo ele, era fazer um evento reunindo as pessoas das quais tinha contado história, com música e exposição de fotos dessas pessoas, que estariam à venda.  

“O Edu sugeriu fazer o evento no Balneário. Chamei três fotógrafos, mais a banda na qual o shaper Neco Carbone é baixista. Chamei o pessoal da Gop Tun, grupo de amigos DJ’s que tem esse selo de festas de música eletrônica São Paulo. Nesse mesmo dia, se não me engano, 15 de setembro de 2015, conheci o Neco Carbone.”

Pela primeira vez, os fotógrafos presentes exibiram seu trabalho para as 800 pessoas que compareceram ao evento. Foi também a primeira apresentação da banda. 

“Foi meu primeiro evento da Lar Mar. Ganhei algum dinheiro; tomei coragem, decidi fazer um evento desse cada hora em uma praia diferente. Criando cada vez mais engajamento e conceito, sempre articulando junto com as pessoas que eu contava a história. Eu também tinha outra vontade: a de incluir o shaper nessa história. Nunca vejo o shaper fazer prancha, ele está sempre concentrado na cápsula. Pensava: como vou levar esse cara para que as pessoas vejam o que ele faz?” 


UM DELÍRIO E A SEMENTE BROTA 

Uma hora a situação ficou insustentável no trabalho. Felipe chegou em dois amigos de São Paulo, SP, o Daniel e o Tato, que acompanhavam o projeto de perto, iam nos eventos; lançou a pergunta: “E se a gente montar um espaço físico para materializar o que é itinerante?”

Tato morava em Paraty, trabalhava lá em um bar com a prima; ele pega onda, morou 12 anos no Guarujá. O Dani trabalhava em uma empresa da família. “Os dois toparam, só que não tinham grana. Eu também não tinha muita, decidi vender tudo que tinha. O Tato disse para eu ir dormir no sofá da casa dele, e que juntos construiríamos esse sonho. Doei meus ternos, vendi carro, sofá, tapete, televisão; e ficava entre a casa do Tato e a casa dos meus pais.

Até que depois de uma viagem de férias, na qual passou vários dias a bordo de um veleiro na Croácia, fotografando em alto-mar, Felipe voltou para São Paulo e decidiu que era hora de comunicar a saída da empresa. 

“Foi uma viagem transformadora. Voltei das férias, cheguei no escritório de bermuda e camiseta, coloquei o crachá e o telefone sobre a mesa, disse que estava me desligando. Meu chefe me olhou em choque e me disse: ‘Você está delirando. O que você ganha aqui não vai ganhar em lugar algum.’ Ele ainda brincou, disse para que eu parasse de fumar maconha, que eu tinha virado maconheiro depois de velho. Apresentei o projeto para ele, ele já sabia algo a respeito na época, mas não ao certo sobre a proporção que tomava. Ele não entendia direito sobre o que era. De alguma maneira eu também não entendia.”

UM LAR EM SP 

“Avisei ao Tato e ao Dani que havia pedido as contas. Eles abraçaram a ideia, pediram demissão também. Ficamos os três, desempregados, atrás de dinheiro para materializar essa história. Quando cheguei ao banco, modéstia parte, me ajudou muito a experiência de trabalho na área comercial e jurídica, e conseguimos o dinheiro que a gente precisava emprestado, além de alguns amigos que também nos emprestaram dinheiro e acabaram virando sócios investidores do espaço. Sem isso não teríamos conseguido.”  

  

A casa que hoje funciona em Pinheiros, SP, foi um achado do arquiteto Felipe Protti, outro irmão do Tato e do Daniel, que é quem assina o projeto e topou a missão de transformar o que antes funcionava como antiga pensão na qual moravam 10 famílias, na casa de praia / loja / bar / sala de shape que hoje integram o QG da Lar Mar. 

“Eu era preconceituoso em abrir o espaço em São Paulo. Minha intenção era voltar para a praia, como é que vou começar uma história na cidade?,” questionava Felipe. Enquanto isso, Dani e Tato botavam pilha, e a casa de fato parecia sede perfeita de ambicioso projeto: “Se a gente vai fazer isso em São Paulo mesmo, devemos concentrar sala de shape; bar com clima tropical; comidinha gostosa; loja pra reunir marcas que estão começando, para fomentar o handmade; e também servir para exposições de fotografia e arte.” 

O espaço não apenas tomou forma, como celebrou um ano de vida no último 18 de agosto. 

“Lar Mar é uma obsessão, no sentido bom e ruim. Penso nela 24 horas por dia, vivo ela, acabo confundindo minha vida pessoal e profissional. De alguma maneira, encontrei em São Paulo o lifestyle que sempre busquei. Nunca imaginei isso. Uma série de eventos acontecem todo o mês. Fazemos muitas parcerias, como lançamento de programas do canal OFF; o Neco Carbone, de quem sempre fui fã, é shaper em nossa sala. Bandas das quais somos fãs se apresentam em nossa praia. Agora, inclusive, temos também uma banda de reggae própria. Lar Mar é o lugar em que ficamos descalço, como a gente gosta. Na Lar Mar fazemos o que gostamos.” 

Ouvindo toda a trajetória, pergunto se há planos para o futuro. 

“Cara, não sei. Vivemos o presente. Pode ser que a gente pense em sair um pouco de casa, mas agora estamos curtindo muito nossa casa de praia.”