MAÍRA KELLERMANN

“Enquanto eu morava em Curitiba, meus pais iam muito para Ilha do Mel. Foi lá que começou minha relação de amor com o mar,” me conta Maíra Kellermann.

Ela está em Fernando de Noronha. Mora na ilha há quatro anos, aonde exerce a profissão de fotógrafa. Como ela chegou até lá, engloba a trajetória de uma vida em curso, que ela divide comigo entre idas e vindas de áudio pelo celular. 

Foto: Marcel Favery

 

Sua voz é doce. Sua vontade e foco de se transformar naquilo que descobriu ser sua essência, emana das experiências e conquistas. Não nos conhecemos pessoalmente, mas fica claro que a vida perto do mar, e em grande parte, dentro dele, submersa, capturando momentos, move fortemente sua alma.  

DE CURITIBA PARA MIAMI. E O PRIMEIRO CHOQUE

Maíra nasceu em Curitiba, aonde morou até os 9 anos de idade. Foi uma infância gostosa, leve e muito gelada, ela conta, até que uma tragédia familiar levou a família a procurar novos horizontes fora do país. 

“Meu tio, irmão da minha mãe, foi assassinado em São Paulo. Minha mãe ficou muito mexida. Quis sair do Brasil, entender o que aconteceu. Fomos para Miami. Ficamos um ano lá. Primeiro fui eu, minha irmã e minha mãe. Depois de alguns meses, meu pai foi para lá. Ele vendeu a casa em Curitiba, não tínhamos mais nada no Brasil. Ficamos lá por um ano. Foi uma experiência bacana, porém conturbada, sabe, teve esse lance da família, minha mãe precisava de tempo. Era também época de alfabetização minha, então, deu uma bagunçada na minha cabeça.”

Para Maíra, foi o primeiro choque da vida. De repente, ela se viu em um lugar aonde ninguém falava sua língua; tinha de se virar. No início, a mãe trabalhava em um hospital como faxineira. Quando o pai vendeu tudo e foi para Miami, a família comprou um apartamento e pode ficar mais tranquila. “Me alfabetizei em inglês, conheci pessoas novas, foi uma vivência rica. Eu, meu pai e minha mãe nos cuidamos muito bem.”

 

“Outro ensaio. Eu desço de 8 a 10 metros para fazer a silhueta. Gosto muito dessa luz. É uma luz que impressiona.”

 

DE VOLTA AO BRASIL 

Um ano depois, a família voltou de Miami. Os pais queriam estar próximos da família. Uma parte estava em Campinas e a outra em São Paulo. Indaiatuba, cidade do interior paulista um pouco afastada do caos da cidade grande, foi o lugar que a família escolheu para morar. De algum jeito sincrônico, foi nessa época que Maíra intensificou sua relação com o mar. 

“Eu estudava em Campinas. Tenho um primo apaixonado pelo surfe. Ele trouxe o surfe para minha vida. Em Indaiatuba fiz grandes amigos, skatistas e surfistas, eles desciam muito para o litoral. Na época eu tinha por volta de 14 anos, ia para a praia com eles de duas a três vezes por mês. Íamos para Ubatuba, para o Guarujá.

 

 

NA PRAIA PELA PRIMEIRA VEZ

Depois de sete anos em Indaiatuba, Maíra fez uma proposta aos pais: “Eu tinha uns 15 anos. Fazia pouco tempo que havia feito uma excursão para Santos com a escola. Na verdade, eu gostava mesmo era do Guarujá, por conta da qualidade das ondas. Propus aos meus pais que a gente fosse para perto do mar. Eles toparam e e acabamos em Santos. Minha irmã foi também. E foi realizado um sonho de família.”

Assim que Maíra terminou o colegial, apareceu um concurso que premiava o vencedor com uma viagem de dez dias para a Califórnia. “Assim que eu soube desse concurso, eu sabia que eu iria ganhar e que depois disso, eu realizaria outro sonho: o de conhecer o Havaí.” 

“Depois do colegial, vivi aquele momento em que a gente não sabe bem o que quer da vida, né? As responsabilidades e a sociedade dizem que você deve entender e saber o que quer fazer naquele momento, né? Escolher a profissão, fazer faculdade… O Havaí era distante pra mim, um lugar que não é simples chegar, nem tão barato.”

 

“Nú artístico, trabalho que tenho feito bastante nos Dois Irmãos.”

 

UM CONCURSO E O MUNDO PELA FRENTE 

Como funcionava o concurso? Tratava-se de um projeto da Oakley, que escolheu 17 meninas do Brasil para representar a marca. Tínhamos de postar fotos em um blog, e quem fizesse mais pontos, ganhava. Assim que fui chamada para o projeto, ganhar virou uma meta. Agarrei a oportunidade, eu queria muito ir para o Havaí. A passagem da Califórnia para o Havaí é muito mais barata. Foram quatro ou cinco meses de concurso. Enquanto isso, eu arrumava minha ida para o Havaí.”

Pois foi dito e feito. Maíra venceu o concurso, levou a irmã como acompanhante, com tudo pago, e de lá foi para o Havaí. Seguiu para um curso de três meses, e acabou ficando por um ano no arquipélago. Chegou sozinha no Havaí. Tinha 18 anos. “Fiquei um mês na casa de uma família havaiana. Lembro da sensação de pisar pelo primeiro dia no Havaí. Do desconhecido. Estava deslumbrada e feliz com tudo aquilo.”

 

 

No Havaí, conheceu a Laura, que segundo ela conta, é “virou amiga eterna. Ela é fotógrafa, a gente estava sempre juntas, ela deixava o equipamento na minha mão”. A paixão pela fotografia, segundo ela conta, surgiu nessa viagem. 

“Quando voltei do Havaí, comecei a investir na fotografia. Foco e determinação para comprar caixa estanque. Meu tio e meu primo, que sempre me incentivaram no surfe, me ajudaram a comprar os equipamentos, e fui buscar meu caminho na fotografia aquática.”

 

“De quando fui ao Havaí pela primeira vez, aos 19 anos. Parei na placa de Haleiwa, só para registrar.”

 

DE SANTOS PARA O MEDITERRÂNEO 

Do Havaí de volta para o Brasil, Santos já não cabia para Maíra. Ela queria novidade. Embarcava na fotografia. E embarcava também, pela primeira vez, para um navio cruzeiro, aonde trabalharia como fotógrafa por nove meses.

 

 

Mais uma fase de muito aprendizado. Maíra viajava pelo Mediterrâneo. Malta, Barcelona e Catânia, eram alguns dos destinos. “Dentro do navio, as fotos seguiam um padrão, eu não tinha muita possibilidade de criar, buscar novos olhares. Não tinha como desenvolver muito o olhar. Então, toda vez que a gente atracava e eu saía do navio, levava a câmera para explorar os lugares. O trabalho é puxado. Trabalhei nove meses sem um dia de folga; temos apenas alguns períodos de folga. Até que desembarquei em Portugal, na casa da minha tia.” 

 

 

Em Cascais, Maíra encontrou a praia de novo. Chegou lá em uma época em que o surfe explodia pela região. Ela ainda não tinha equipamento para fotografar dentro d’água, e foi lá que começou dar os primeiros mergulhos. “Pensa em uma água gelada [risos]. Eu entrava de maiô de manga comprida e Go Pro, e uma nadadeira longe de ser boa. Até que as pessoas começaram a me procurar, comecei a vender fotos, foi inesperado pra mim. Eu vendia fotos de surf, também trabalhava com fotos de golf, fazia figuração de modelo viva. Fui me virando, e fui me descobrindo dentro do mar e da fotografia.”

DE PORTUGAL PARA O BRASIL 

Já com alguma experiência na fotografia aquática, voltou para o Brasil com foco na caixa estanque. 

Chegou de volta para a terra natal, e foi trabalhar na recepção em uma escola de artes. Nessa época, conheceu o Henrique Pistili, hoje seu ex-namorado, o famoso homem-peixe do canal Off. “Me encantei pela visão dele da vida. Fui fazer um curso com ele no Rio de Janeiro, consegui uma permuta lá, a de fotografar em troca do curso. Ali também começou minha paixão por ele.”

Um tempo depois, Maíra conseguiu a caixa estanque. Estreiou em Maresias. “Me lembro da felicidade e de um encontro: esse é o meu lugar. Nessa época, o Henrique começou a falar sobre Noronha. Teve um grande amigo meu também, o Broca, nos conhecemos no navio, ele já tinha morado na ilha, e falava muito de lá… O que aconteceu foi que a ilha entrou na minha vida.”

 

“Uma foto que eu fiz de um casal muito massa. Ela estava grávida. Um casal jovem. Foi um trabalho bem gostoso, rolou uma conexão enorme entre esses clientes e eu.”

 

Surgiu a oportunidade de participar do “Waterman Experience”, curso ministrado em Noronha por Henrique e mais dois facilitadores, sobre bodysurf e autoconhecimento. Lá foi Maíra fazer o curso de dez dias, ainda sem saber que Fernando de Noronha seria sua próxima casa pelos próximos anos. 

 

“Durante o processo Waterman Experience, que o Henrique desenvolve com mais dois facilitadores. Faz quatro anos que eu fotografo essa experiência. Um curso de quatro dias que acontece na Cacimba do Padre, das 7h até 19h, o tema é bodysurf e autoconhecimento. É um curso que para mim, faz muito sentido e tem propósito.”

 

“Me encantei de vez pela ilha. Fiquei esses dez dias lá, fiz o curso, comecei a procurar emprego e achei. Voltei para casa, arrumei minha mala, e voltei para Noronha. Aqui estou. Vai fazer quatro anos no começo de 2019. Trabalhando com fotografia, esporte, e autoconhecimento. Cada vez mais fotografando dentro d’água, que é o lugar em que quero estar. Claro, fotografo também fora d’água, mas, amo estar dentro d’água. É no meio aquático que eu piro, e aonde respiro realmente.”

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