Moskito Valiente

“E depois de 17 dias duros, salgados e quentes no mar: terra à vista!! Os aromas provenientes da terra, dos seus frutos e dos seus habitantes, entorpecem um olfato adormecido há semanas, conforme os primeiros contornos da costa da Guiana Francesa aparecem na proa do nosso barco”.

Andréia tinha 24 anos e estava, neste momento, prestes a completar a sua primeira travessia oceânica à vela e à começar uma vida nova, no mar.

Paulistana que viveu em Brasília dos 13 aos 23 anos. Longe, muito longe do mar! Quando completou 10 anos de idade, em 1996, seu pai a presenteou com o primeiro livro da Família Schurmmann (“10 Anos No Mar”) e lhe disse: “imagina só, minha filha, que esta família passou todos estes anos que você já viveu morando num barco, no mar!”. “Eu li o livro e fui imediatamente fisgada por este estilo de vida”.

Dos Schurmmann, foi para o Amyr Klink e daí para o Shackleton, Slocum, Chichester, Tabarly, Montessier, Tania Aebi… e assim, de um em um, devorou todos os livros sobre viagens oceânicas à vela e vida abordo que ouviu falar. Assim, deu muitas voltas ao mundo, deitada na sua cama, em Brasília.

O tempo foi passando e Andreia ingressou na Universidade de Brasília (UnB) para se graduar em Ciências Biológicas. Neste período, começou a estudar biologia marinha por conta própria – já que a UnB não podia oferecer aprofundamentos nesses conhecimentos, por ser sediada tão longe do litoral.

Participou de inúmeros congressos, simpósios e encontros sobre a vida marinha e assim conseguiu oportunidades e bolsas universitárias para estudar biologia marinha fora do Brasil. Primeiro foi pra Austrália e em seguida, para Portugal.

Quando estava prestes a se formar em Biologia, começou a trabalhar na área como professora estagiária e particular. Também ganhava uma bolsa para trabalhar como pesquisadora na área de comportamento animal.

“Ser professora é uma profissão linda, digna, muito gratificante mas bastante frustante ao mesmo tempo. Eu nunca realmente havia concordado com o plano didático atual e arcaico do nosso país e eu sentia que precisava botar na prática as tantas teorias que havia aprendido durante toda a minha vida acadêmica, sentada numa classe de aula. Sentia que precisava ter mais experiência de vida antes de lecionar – precisava ter histórias pra contar, experimentos reais…sentia que precisava, inclusive, ter mais anos de vida e vivência antes de sair pregando a palavra da ciência para tantas crianças e jovens (alguns com quase a mesma idade que eu…). Além disso, eu tinha a ilusão de que a biologia me aproximaria da natureza e do mundo real, até eu me deparar com a realidade laboratorial de experimentos com animais e com a especificação extrema de conhecimentos. Não conseguia entender a lógica de muitos estudos científicos que se baseiam em experimentos cruéis e perigosos para comprovar ou não uma hipótese, muitas vezes, sem nexo algum. Não estou dizendo que todos experimentos sejam assim, mas muitos – demasiados – são. A Biologia estuda a ciência da vida e é um curso lindíssimo! Mas o mercado de trabalho de um biológo nem sempre é tão atraente assim.”

Foi uma época de bastante confusão pessoal, revolta e desesperança, onde Andreia se sentiu mais uma peça da engrenagem de um maquinário que não a convencia. Então, a idéia de ir atrás daquele sonho e morar num barquinho no mar, se afastar desta engrenagem e tentar inventar algo novo lhe pareceu bastante tentadora.

Foi então que ela pensou em vender tudo o que tinha (que não era muito: basicamente um carro e alguns objetos pessoais), comprar um veleiro e aprender, finalmente, a navegar! Foi um ponto de inflexão na sua vida onde percebeu que tinha, basicamente, duas opções: investir na sua carreira em terra ou investir nos seus sonhos no mar.

É claro que o caminho mais seguro e sensato seria investir na sua carreira. Afinal, ela estava estudando há quase 20 anos para isso! E é claro que muita gente achou uma loucura quando ela optou pela segunda opção, por seguir seus sonhos malucos e ir viver em um barco…

“Mas como você vai conseguir dinheiro para viver? E não é perigoso? Você não tem medo?” – eram as algumas das perguntas frequentes que me faziam… As respostas? Bem… eu não sabia muito bem como respondê- las… Mas de uma coisa eu sabia: se eu ficasse, não encontraria essas respostas nunca.”

Um fato crucial para se encorajar a encontrar essas respostas foi o apoio incondicional da sua família e amigos próximos.

“Minha família sempre acompanhou minha paixão pelo mar, minha busca incessante por uma vida mais sustentável, simples e em contato real com a natureza. E quanto aos meus amigos… bem, basta perguntá-los o que eu fazia sempre que me cansava das confraternizações naquela querida e lendária chácara que eu vivia em Brasília e queria botar todos pra dormir: colocava os documentários do Amyr Klink na Antártica e era “tiro e queda”: em menos de 30 minutos estavam todos roncando.”

Assim, decidiu iniciar a busca por um barco dentro dos seus curtos orçamentos e onde poderia morar. Contou também com o grande apoio do seu companheiro na época, que também mergulhou de cabeça nessa idéia. Depois de muito pesquisar, acabaram encontrando um barco na Paraíba, dentro de seus orçamentos. Foram então para João Pessoa e assim conheceram o Marleesh, um veleiro velhinho de 35 pés, que estava meio triste e desmotivado ancorado no rio Paraíba. O Marleesh tinha uma áera interna ótima. Um barco espaçoso, ventilado e, quando ancorado, bastante confortável. Compraram o barco com todo o dinheiro que tínham… Inclusive, dormiram acampados na praia naquele dia porque estavam sem grana pra pagar um hotel.

Andreia voltou para Brasília para trabalhar e se formar. Não fui nem à minha festa de formatura, porque já estava de mudança para minha nova casa flutuante quando meus colegas de classe estavam celebrando a conquista de nossos diplomas.”

Moraram nesse barco ancorados no rio em frente à favela do Jacaré (João Pessoa) por 1 ano, arrumando o barco e estudando para aprender o máximo possível sobre navegação, náutica e barcos em geral. Tiraram suas cerificações de Arraes Amador e de Capitão Amador na Marinha do Brasil e levantaram âncora rumo ao Caribe. O Marleesh tinha um arsenal eletrônico muito limitado: contávam com apenas um VHF e um GPS portáteis. Portanto, não era possível contar com a grande ajuda de um piloto automático… Então convocaram um tripulante para ir junto e ajuda-los nos turnos ao leme: o Bruno. Um francês navegador solitário, veterinário e adicto à café e à tabaco.

A rota entre o Brasil e o Caribe força obrigatoriamente a navegação pela “zona de convergência intertropical”, ou seja: o equador.

Os doldruns, como são chamados pelos navegantes, compreendem uma região que acompanha o equador, onde não há ventos. O mar ali, muita vezes, fica calmo como um espelho – é bem lindo, apesar do calor insuportável.

A rota era ‘João Pessoa – Trinidad e Tobago’ e alcançaram os doldruns já depois de uns 10 dias no mar. O barco estava um desastre: o leme quebrou, a vela rasgou, o vento parou, o motor enguiçou…. Mas ficou tudo bem!

“Consertamos o leme, costuramos a vela, estávamos trabalhando no motor e esperando o vento voltar até o Bruno ficar sem tabaco e café… e ai sim encontramos um problema!

Durante um de seus turnos no leme, enquanto descansávamos, o pequenino francês abstêmico liga para uns amigos espanhóis que moravam em um veleiro, estavam trabalhando na Guiana Francesa e emite um “pam-pam”, ou seja, um alerta de emergência. Os espanhóis, preocupados, se preparam para ligar para a Guarda Costeira e solicitar resgate imediatamente, se necessário.

Quando descobrimos isso, quase amarramos o francês no maestro”!

O resgate lhes custaria uma fortuna e arruinaria todo o restrito plano financeiro do casal. Decidiram então ir à Guiana Francesa e desembarcar Bruno para que ele pudesse beber um café e fumar um cigarro.

E assim voltamos ao início desse texto: “E depois de 17 dias duros, salgados e quentes no mar: terra à vista!!…”

Foram se aproximando do que era a chamada “marina” do local (Dégrad de Cannes )…. À parte de todos os outros barcos que pareciam verdadeiros naufrágios flutuantes, avistaram o Moskito Valiente.

Um lindo veleirinho de 41 pés, claramente vívido e alegre, destacando-se no “cemitério” de barcos daquela marina anarquista dentro da floresta amazônica da Guiana Francesa.

E assim, conheceram José e Lourdes do Moskito Valiente! Um casal de espanhóis encantadores que se tornaram grandes amigos e co-protagonistas dessa história…

Andréia viveu no Marleesh com aquele seu amigo pelos próximos 3 anos e navegaram quase todas a ilhas das antilhas caribenhas. Não demorou muito para perceberem que o barco que tinham, apresentavam muitos problemas. Dessa forma, o Marleesh se tornou uma grande e árdua escola onde Andréia aprendeu muito sobre mecânica, fibra de vidro, laminação, hidráulica, elétrica, pintura e etc…

Logo no começo, o dinheiro foi ficando preocupantemente curto e Andréia voltou ao Brasil algumas vezes para trabalhar como professora particular mas, obviamente, era impossível continuar se viabilizando assim.

Portanto, tiveram que se adaptar. Começaram a estudar e fazer cursos para ingressarem na indústria náutica e seguirem, definitivamente, este novo caminho de vida no mar.

Andreia tirou a licença internacional de capitã, se tornou instrutora de mergulho e fez muitos outros cursos para conseguir trabalhar na indústria. Assim, com muito esforço, conflitos e paciência, as oportunidades foram aparecendo gradualmente.

Durante os 3 anos em que viveu no Caribe trabalhou em muitos barcos: privados, de charter, deliveries, cataramãns, monocascos, tallship, barcos a motor… Trabalhou como cozinheira, mergulhadora, stewardess, deck hand, deck/stew, first mate… Limpou muitos banheiros, salas de motor, cascos… Serviu muita gente.

Mas também conduziu muitos barcos diferentes, planejou muitas travessias, refinou suas habilidades culinárias, mergulhou bastante, conheceu grandes amigos e aprendeu muito nesse período.

Até que Andreia e seu amigo decidiram seguir rumos distintos e vender o Marleesh – “Ele era um barquinho muito querido mas muito ruim em termos de marinharia. A gente dizia que o barco era como uma moça muito bonita mas com um hálito de bacalhau!”

Então, Andreia voltou para o Brasil por uns tempos para ficar com a família e amigos. Passou um ano no Brasil. Era justo ano da Copa do Mundo e foi um ano bem intenso. Teve a grande sorte de reencontrar uma pessoa muito querida nesse tempo, que por sorte em sua vida havia acabado de comprar um veleirinho de 38 pés.

Aproveitaram para velejar todos os finais de semana pela costa sudeste do Brasil naquele ano.

Depois de passar esse tempo no Brasil, recebeu uma proposta muito tentadora para ir à Grécia trabalhar em um íncrivel veleiro privado de 80 pés. Assim, de supetão, embarcou pra Europa e velejou grande parte do Mediterrâneo neste barco: Grécia, Turquia, Malta e Itália.

Juntou bastante dinheiro nesse trabalho e ali também percebeu que estava precisando passar um tempo em terra. Então, começou a planejar uma viagem de bicicleta pela América do Norte – sua primeira viagem de bicicleta. Solo.

Voltou para o Brasil engajada nesse novo projeto e ficou 6 meses se organizando para esta viagem. Saiu do Brasil e embarcou como instrutora de mergulho num catamarã de 50 pés que oferecia expedições educativas para jovens e trabalhou parte da temporada de 2015 ali, ensinando adolescentes à mergulhar e à cuidar do mar.

Finalizadas as expedições, voou direto do catamarã para Vancouver, onde montou uma bicicleta íncrível e pedalou toda a costa oeste da América do Norte, do Canadá até o México. Depois atravessou grande parte dos Estados Unidos, desde Louisianna até a Flórida.

Pedalou cerca de 6.000 km durante 10 meses entre o Canadá, USA, Baja California e Golfo do México, até que caiu da bicicleta na Florida e teve que parar de pedalar para se recuperar. O acidente não foi tão grave mas teve consequências, digamos, catastróficas: quebrou os ossos do seu sinus facial direito e, portanto, teve que permanecer 8 semanas sem mergulhar.

Andreia deveria embarcar novamente no barco das expedições dentro de 1 mês e por isso estava indo para a Flórida – para guardar sua bicicleta lá, pegar seu material de mergulho e trabalhar.

A mudança forçada de planos lhe obrigou à buscar um trabalho “seco”, sem mergulhos. E foi assim que embarcou num mega yacht privado de 112 pés que pagava muitíssimo bem. O contraste da mudança de viver em uma bicicleta para viver em um mega yacht foi brutal!

“De repente, eu tinha à minha disposição água doce à vontade, geradores, banho quente, cama, ar condicionado, geladeira cheia, freezer cheio, máquina de levar roupa, secar, lavar louça, jetski, material de mergulho e compressores de cilindro, material de kite-surf, paddleboard…. Um mundo infinito de coisas de magnata.”

Motoraram de Miami até as Bahamas e depois até Antigua e Barbuda, onde ficaram trabalhando alguns meses até começar a época de furacões no Caribe, em Junho. Para a temporada de furacões, buscaram abrigo nas Antilhas Holandesas, na lindíssima ilha de Bonaire.

Enquanto isso, abordo se passava uma guerra entre a tripulação! Um drama constante, sem nexo e regado à muito álcool e drogas que fez com que passassem pelo barco 4 capitães, 2 first-mates e 4 chefs durante os meros 5 meses que trabalhou neste barco! “Na última troca de tripulação, eu já havia juntado dinheiro suficiente e estava farta dessa confusão para pedir demissão. Foi aí que a Lourdes (a espanhola do Moskito Valiente) entrou em contato comigo.”

A Lourdes e o José já não moravam juntos no Moskito Valiente mas ainda nutriam uma amizade profunda. A Lourdes morava agora no veleiro Cinco com o Jaad, um franco- marroquino que também se tornou um grande amigo, e com a filhinha deles de 1 ano e meio, Dunia.

O José estava procurando tripulação para trabalhar com ele no Moskito Valiente em San Blas, Panamá. Andreia, que estava farta do universo e drama dos barcos a motor e queria muito velejar, aproveitou a oportunidade para pedir demissão e ir para a Europa ajudar o José a atravessar o Atlântico abordo deste incrível e velho conhecido veleirinho, o Moskito Valiente.

A travessia da Espanha ao Panamá durou 3 meses e foi maravilhosa. Gastaram bastante tempo nas Ilhas Canárias esperando entrar os ventos alíseos de NE que os empurraríam até o Caribe. Mas valeu a pena: gastaram 10 litros de diesel para cobrir cerca de 5.000 milhas náuticas desde a Espanha até o Panamá. A rota foi: Gibraltar – Ilhas Canárias – Cabo Verde – Grenada – Panamá.

Chegaram a San Blas e começaram a trabalhar imediatamente fazendo charters com o Moskito Valiente pelas ilhas desta reserva indígena paradisíaca. “A idéia dos charters é compartilhar nosso estilo de vida no mar com pessoas interessadas em passar uns dias no veleiro conosco.

Durante estes dias, nos dedicamos 100% aos nossos hóspedes: os levamos para velejar, mergulhar, pescar, interagir com a cultura local, apresentamos as mais belas praias e atrações dos lugares onde estamos. Cozinhamos para nosso hóspedes os frutos do mar e peixes mais frescos que muitos já comeram em suas vidas.

Compartilhamos nossas histórias, nossos conhecimentos e aprendemos muito também com as pessoas que vêm nos visitar. É um trabalho intenso, mas incrívelmente prazeroso e gratificante”.

Juntos, Andréia e o José acabaram desenvolvendo novos projetos e criaram um site, na raça, durante seus escassos dias de folga. Como a internet em San Blas é péssima, ancoraram nos pés das antenas de internet e focaram na missão de contruir um querido site.

Faziam como se estivéssem navegando em alto-mar: durante o dia trabalhavam juntos no computador e de noite, enquanto um dormia, outro seguia e vice-e-versa. Assim nasceu o www.moskitovaliente.com e muitos planos para o futuro!

O José nasceu em Cartagena mas viveu a maior parte da sua vida em Valencia, ambas grandes cidades na Espanha. Filho único, desde pequeno teve o esporte como grande companheiro.

Com sua família, veraneava em uma casa de camping em La Manga, onde passava suas horas livres velejando pelo Mar Menor em pequenos veleirinhos (optimist ou hobbie cat) e, principalmente, em windsurf.

Sempre teve a bicicleta como sua grande aliada e aos 12 anos, começou a competir na categoria infantil de trial e assim, despacito, começou sua incrível carreira como ciclista. Começou a competir e trabalhar em diversas modalidades de bicicleta de montanha e conquistou o título de campeão espanhol três vezes e ficou em terceiro lugar no mundial na modalidadae de trial.

Devido à sua dedicação e aptidão para com os esportes, entrou na Universidade de Valencia como esportista de elite para estudar Ciências da Atividade Física e do Esporte. Com muito esforço para conseguir ficar parado em uma sala de aula, completou o curso e conseguiu seu diploma.

Trabalhou por muitos anos como instrutor de mountain bike em geral (enduro e downhill, principalmente) e ciclista profissional, participando de diversos campeonatos nacionais e internacionais até descobrir que o ambiente de competições não era exatamente o que ele buscava para seu crescimento pessoal.

Num mundo que já é naturalmente competitivo, ser um esportista de elite e de competição demanda extrema dedicação, energia, tempo e foco. E José começou a se incomodar com tudo o que estava deixando de viver e ver por estar se dedicando exclusivamente à campeonatos.

Foi então que, em 2008, decidiu deixar as competições de lado e viajar com seus amigos – de bicicleta, claro – para a Patagônia… no inverno!! Um dia, enquanto pedalava e acampava no frio chileno de – 20 celsius, viu um barquinho velejando elegantemente pelos canais do Estreito de Magalhães. Ficou encantado com a cena e com o conforto que aquele barco aparentava e decidiu: “vou comprar e viver em um veleiro!”

Cabeça-dura como um autêntico espanhol, José voltou à Espanha decidido à mudar radicalmente o rumo de sua vida. Iria largar sua carreira como ciclista de elite e conhecer o novo mundo, menos competitivo e mais solidário: o mundo dos navegantes transmundistas à que tanto admirava. No ano seguinte, depois de muito pesquisar, José encontrou seu futuro grande companheiro de aventuras: o Moskito Valiente!

José passou a morar no barco enquanto ainda seguia com sua carreira de ciclista e, aos poucos, foi dedicando menos tempo à bike e mais tempo ao barco. Conseguiu um emprego na veleria de um amigo e aprendeu a costurar e construir velas, capotas para barcos, capas para dinghy e muito mais. Virou um verdadeiro craque na máquina de costura e hoje todas as velas que tem abordo (eles tem 6) foram feitas por ele.

José também estudou bastante para esta nova aventura: tirou a licença internacional de capitão e também de instrutor de vela. Velejou muito pelo litoral espanhol e francês até que percebeu que poderia ir mais longe com aquele barquinho…. Percebeu, na verdade, que poderia ir a qualquer lugar do mundo com o Moskito Valiente. Foi então que ele abandonou de vez sua carreira de ciclista de elite e deu um grande e corajoso salto ao vazio para começar uma nova vida no mar.

Para isso, contou com o grande apoio de sua amiga de universidade Lourdes, que estava na época trabalhando como fisioterapeuta na França e que também corajosamente largou emprego, namorado e tudo para embarcar com José nessa aventura.

Juntos, José e Lourdes atravessaram o Atlântico até o Brasil, onde conheceram o famoso carnaval de Salvador e navegaram pelos litorais da Bahia, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte até encontrarem problemas com a desorganizada e corrupta Receita Federal do Brasil.

Assim, foram forçados à sairem do Brasil, navegaram então até a Guiana Francesa, onde encontraram abrigo naquele mesmo “cemitério” anarquista de barcos onde Andréia também encontrou abrigo (e café e tabaco) com seu velho Marleesh, depois de completar sua primeira travessia oceânica.

O Moskito Valiente e o Marleesh se tornaram bons amigos e se encontraram diversas vezes pelo Caribe nos anos que se sucederam depois deste encontro na Guiana Francesa. E assim, a amizade entre seus tripulantes foi crescendo até virarmos uma família por elecção.

“Viver em um barco nos dá uma perspectiva da vida bastante diferente do que a que estamos acostumados a ter quando vivemos em terra. Os recursos, os valores, as relações e até o tempo passam a terem diferentes proporções e perspectivas quando se vive no mar:

  • O relógio passa a não ter mais o poder absoluto no controle das horas: o tempo é medido pela altura (e calor) do sol, pela lua e pelas marés.
  • A água doce vale ouro! O tamanho dos nossos tanques restringem incessantemente nosso uso de água doce – o que nos obriga a valorar cada gota de água que gastamos.
  • Toda a energia que utilizamos é proveniente dos nossos painéis solares e nosso gerador eólico: se houver um dia sem sol e vento, as baterias vão notar e talvez não seja possível ouvir música e manter a geladeira ligada neste dia…
  • Tudo que entra e sai do barco demanda um trabalho grande para ser transportado: toda a compra é cuidadosamente verificada se está livre de baratas e outras potenciais pragas antes de ser carregada até o dinghy (nosso “carro” flutuante) e navegar entre as ondas até o barco para ser cuidadosamente alocada como um “tetris” nos escassos lugares de armazenamento do barco.

O caminho inverso ocorre com o lixo, além de termos que nos certificar que encontraremos um lugar        apropriado para depositá-lo, o que muitas vezes implica em pagar ou fazer uma fogueira para queimá-lo.

Tudo isso nos educa à selecionar produtos com menos embalagem e, principalmente, menos plástico.

  • Até as nossas necessidades fisiológicas têm um peso diferente no barco: nossos dejetos não simplesmente ‘desaparecem’ com o mágico apertar de uma descarga. Quando usamos o banheiro, nossos dejetos vão para o mar e ali permanecem flutuando por algum tempo até serem diluídos ou ingeridos por peixinhos… portanto, é bom programar com certa antecedência a sua descarga, caso alguém esteja nadando ao redor do barco no momento de você precisar se aliviar….
  • Os produtos de limpeza pessoal e do barco também vão diretamente para a água, então buscamos sempre alternativas menos nocivas para o ambiente (e, consequentemente para nós mesmo) para esses produtos: utilizamos muito vinagre, limão, bicarbonato de sódio e óleos essenciais para isso.”

Tudo isso, sem contar que estão constantemente sujeitos ao intemperismo e às forças da natureza. Uma noite bem dormida depende bastante das vontades de Netuno.

Todas essas dificuldades rotineiras criam uma relação quase automática de solidariedade e cooperação entre os navegantes. Na maioria dos casos, quando alguém está em apuros ou precisando de qualquer coisa em um barco, as outras pessoas dos barcos ao redor não medirão esforços para ajudar – independente se é conhecido, amigo, parente ou não.

Essa vontade genuína de querer (e poder) ajudar, esse espírito de cooperação e a amizade que nasce dessas situações é, sem dúvida, um dos fatores que fazem as adversidades citadas acima valerem à pena.

Os navegantes transmundistas são como uma grande e dispersa família que está em constante movimento pelos oceanos do Planeta.

Sem citar os flagrantes e registros mágicos que a natureza os presenteia todos os dias, que são as consequências divinas de uma vida em constante contato, exposição e dependência com o verdadeiro mundo real que está redor, o tempo inteiro, e que muitas vezes passa despercebido quando estamos focados em nossas vidas nas cidades.

Atualmente, o Moskito Valiente já tem 3 travessias Atlânticas e muitas milhares de milhas navegadas pelo Mediterrâneo e Caribe. Andreia e José acabaram de voltar de uma viagem à Florida para resgatar uma bicicleta e comprar outra nova bicicleta para o José.

Andreia e José aproveitaram essas mini-férias para fazer uma pequena viagem de bike ao redor do sul da Flórida e trazer suas bicicletas para o Moskito Valiente, para conhecer as ilhas e países que alcançam com o barco.

Finalizaram os charters em San Blas e receberam abordo uma nova e guerreira tripulante: uma cadelinha que estava muito doente e prestes a morrer em uma das ilhas de San Blas. Estava tão magra que parecia um saquinho de ossos e não conseguia nem ficar em pé, tinha tantas pulgas que entravam pelos olhos, orelhas e nariz da pobra cadelinha, a barriga d’água enorme, cheia de vermes e uns olhinhos tristes e quase sem esperanças. Foi batizada de Kuna Yala, que é o nome do arquipélago de San Blas na língua dos índios locais.

“Tratamos Kuna por uma semana na ilha até que se livrasse das pulgas e a trouxemos para o barco. Desde o primeiro dia, Kuna se esforçou muito para se recuperar e sobreviver. Hoje, ela está conosco há 3 semanas e já está quase 100% recuperada. É agora uma cadelinha linda, feliz, obediente e incrivelmente grata – é um pontinho de luz no nosso barco”!

“Estamos muito contentes com nossa nova tripulante, que atravessará oceanos e conhecerá o mundo conosco de agora em diante.

Estamos neste exato momento no Panamá, nos preparando para atravessar o Canal do Panamá e começar a tão sonhada travessia do Oceano Pacífico, com direito à longas paradas em cada arquipélago deste oceano imenso.

Continuaremos oferecendo charters no Moskito Valiente com o intuito de propiciar experiências exclusivas nas ilhas mais paradisíacas do mundo, para qualquer pessoa que se interesse em passar uns dias abordo da nossa querida casa flutuante conosco”.

Galápagos, Polinésia, Micronésia, Melanésia e Oceania são os próximos destinos. A previsão é de alcançar o primeiro arquipélago da Polinésia Francesa, as Ilhas Marquesas, em Novembro de 2017 e permanecer ali até que termine a temporada de furacões do Pacífico Sul (Novembro a Junho).

Depois, continuarão a navegar rumo à Tuamoto, Tahiti e assim por diante. Afortunadamente, compartilharão essas novas aventuras com seus grandes amigos Lourdes (sim, a espanhola!), Jaad e Dunia, que vão fazer a travessia com eles no veleiro deles, chamado Cinco.

É possivel acompanhar a viagem praticamente em tempo real através do site www.moskitovaliente.com , pelo nosso instagram @moskitovalientesailing , ou pela página do facebook “Moskito Valiente Sailing“.

Para velejar com a Andreia e o José, basta entrar em contato pelo formulário do site www.moskitovaliente.com/bookings/ ou pelo email info@moskitovaliente.com e agendar suas férias abordo do Moskito Valiente.